Operação mais letal do Rio deixa 123 mortos; 59 corpos foram levados para praça na Penha
Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo
Ao longo da madrugada e da manhã desta quarta-feira, 59 corpos foram levados até a Praça São Lucas, na Estrada José Rucas, no Complexo da Penha, na Zona Norte do Rio. Os cadáveres foram retirados da mata da Vacaria, na Serra da Misericórdia, onde ocorreram os confrontos mais violentos entre policiais e traficantes na megaoperação de terça-feira. Com isso, sobe para 123 o número de mortos na ação mais letal da polícia no estado. Entre os que acompanham a cena predomina o silêncio profundo, enquanto muitos se aproximam para tentar reconhecer os mortos. Pessoas com luvas estão cortan
do partes das roupas dos mortos para facilitar a identificação. É esse grupo que contabiliza os mortos.
O número de mortos ainda pode aumentar. Segundo a TV Globo, seis corpos foram deixados, também nesta quarta-feira, no Hospital estadual Getúlio Vargas, que concentrou o atendimento aos baleados na megaoperação.
Às 3h, uma fileira de cadáveres começava se formar na Praça São Lucas. Nas horas seguintes mais corpos foram levados até o local. Eles chegaram no endereço transportados em caçambas de caminhonetes e são retirados pelos próprios moradores, antes de serem adicionados à fileira que já soma dezenas de mortos. No início da manhã, por volta de 7h30, mais corpos ainda chegavam à praça.
Pouco antes das 8h três rabecões se posicionaram perto dos cadáveres. A maioria deles começou a ser descoberta, enquanto centenas de pessoas acompanhavam a cena.
— Cadê o meu filho? — gritou uma mulher.
Algumas pessoas argumentaram que um dos homens teria se entregado à polícia e, mesmo assim, foi morto.
— Nunca vi isso — diz um morador.
Os moradores da comunidade se aproximam dos mortos e levantam os lençóis e cobertores que os cobriam para ver os seus rostos e reconhecê-los. No entorno, dezenas de pessoas observam a cena e apontam para os corpos, enquanto outros limpam as lágrimas. Em dado momento, os moradores rezaram um Pai Nosso. Uma família se ajoelhou ao redor de um dos mortos:
— Como pode destruir tantas famílias, tantas vidas? E ficar por isso mesmo? — disse a mãe, enquanto passava a mão no rosto do filho morto.
O ativista Raull Santiago esteve entre aqueles que viraram a madrugada em busca de corpos na favela. Na manhã desta quarta-feira, ele publicou um vídeo nas redes sociais enquanto estava na área de mata que liga o Complexo do Alemão ao Complexo da Penha. Santiago, que estava acompanhado de moradores e advogados, descrevia já ter encontrado doze corpos. Na gravação, ele mostrou marcas de sangue espalhadas na terra.
— Não dormi ainda. Amanheci aqui nesse caos. Não estou achando palavras. Estou com nojo — disse o ativista, que horas depois compartilhou outro vídeo no Instagram, já fora da mata. — A ficha está começando a cair. O grito, o choro. E tem mais corpos chegando, os carros acabaram de subir, porque mais pessoas foram encontradas na favela.
Uma mulher, ao reconhecer o genro entre os mortos, passou mal e precisou ser assistida por parentes e vizinhos. Sem ar, ela começou a tremer e ficou paralisada por cinco minutos, enquanto tinha água jogada sobre o rosto e pessoas a abanando.
— Ela está em estado de choque. Está passando muito mal. Ninguém merece passar por isso. Vamos levá-la ao hospital agora. Não é sobre a perda do genro, é sobre a violência geral que enfrentamos — disse uma irmã.
A operação
A operação ocorreu na terça-feira. Segundo dados oficiais do governo, 60 pessoas morreram, em sua maioria suspeitas de tráfico, além de quatro policiais. Não há confirmação se os corpos levados pelos moradores estão incluídos nesse total, o que pode indicar um número ainda maior de vítimas.
Moradores relatam que ainda haveria mortos no alto do morro, aumentando a apreensão sobre o real tamanho da tragédia. O secretário da Polícia Militar, coronel Marcelo de Menezes Nogueira, afirmou ao g1 que investigará a situação envolvendo os corpos levados pelos moradores.
Fonte: Oglobo