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Temporada do pinhão: Conheça os sabores e histórias por trás da iguaria da serra

Todo dia, sempre que não chove, Jaison de Liz Rosa parte cedo de casa munido de uma vara comprida de bambu e de um par de botas, às quais vão atadas grossas esporas de ferro. As esporas serão úteis para cravar os pés no tronco da araucária e, assim, alcançar a copa, suspensa a 10 ou mais metros de altura. Lá em cima, um pé em cada galho, Jaison dedica-se a cutucar todas as pinhas que estiverem ao alcance da vara. Basta um toque e “poc”: o fruto de 2 quilos desce em queda livre até tocar o chão, num golpe seco que parece ecoar por todo o pinheiral.

Às vezes, as pinhas “debulham”: ao cair, desmancham-se,espalhando pinhões por toda a mata. Recolhê-los, no caso, dá tanto trabalho que não vale a pena. “Fica para a bicharada”, diz Jaison, referindo-se sobretudo à cutia e à gralha-azul, espécies que têm na semente da araucária um dos itens preferidos de seu cardápio.

Tanto um quanto o outro têm o hábito de enterrar os pinhões no chão para comê-los depois, o que, por sinal, ajuda na regeneração da mata de araucárias – quando o bicho não encontra o pinhão, é mais uma semente que brota. Foi a fauna, aliás, a grande responsável pela multiplicação de araucárias em nossas serras meridionais nos últimos 30 anos.

Convém lembrar que, entre os séculos XIX e XX, mais de 100 milhões de pinheiros nativos foram derrubados com o único objetivo de alimentar as serrarias do Sul e do Sudeste, de onde saíam transformados em toras destinadas à construção de móveis, casas e ferrovias. Por causa da madeira, de excelente qualidade, a mata de araucária foi reduzida a apenas 2% de sua área original. É o ecossistema mais devastado do país.

O corte de pinheiros entrou em decadência na década de 1970, com a introdução do pínus, até tornar-se legalmente proibido em 2001. Nesse curto espaço de tempo, o pouco que restava da mata nativa foi transformado em lavouras ou pasto para o gado, ampliando ainda mais a área devastada.

Foi só nos últimos dez anos, depois da proibição do corte e graças à pequena ajuda das cutias e das gralhas, que a araucária empreendeu sua lenta recuperação. E, pela primeira vez, a população entendeu que manter a árvore em pé podia ser tão lucrativo quanto derrubá-la. Talvez até mais. “O pinhão hoje tem valor agroecológico”, afirma João Antenor Pereira, agrônomo da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri).

E isso tem um significado particularmente especial no município catarinense de Painel, vizinho a Lages, onde a topografia acidentada ajudou a manter as pastagens e as lavouras longe da mata em recuperação.

Hoje, Painel colhe 2.750 toneladas de pinhão por ano, o que corresponde a um quinto de toda a produção da Serra Catarinense. Para as famílias da zona rural, como a de Jaison, já virou importante fonte de renda. “A safra que tu faz dá para viver o ano todo”, ele diz.

Vinte árvores por dia

A safra em questão vai do começo de abril a meados de julho, tempo em que o trabalho nos pinheirais deve ser intenso e diário, de modo a garantir o máximo de produção no menor tempo possível. Por dia, Jaison e seu ajudante chegam a escalar 20 araucárias cada um, de manhã até a boca da noite.

Como diz Adriana, mulher de Jaison, “a gente pega todo dia e não dá conta, é muito pinhão”. Em 2011, foram 11.000 quilos extraídos de sua propriedade. Caso tivessem mais um ajudante, a produção seria ainda maior.

Também é familiar o processo de “catação”, como é chamado o trabalho de separar os pinhões das falhas, ou seja, as sementes que não fecundaram. Estima-se que uma pinha renda em média metade de seu peso: de cada 2 quilos, 1 é pinhão. Antigamente, a catação se fazia à mão, mas hoje os produtores dispõem de uma máquina movida a energia elétrica, geralmente comprada em sociedade.

Isso, é claro, reduz o tempo e aumenta a produção. No caso de Jaison e de muitas outras famílias de Painel, o grosso da produção é vendido para a Ecoserra, cooperativa sediada em Lages que se ocupa não só de comercializar o pinhão como também de divulgá-lo no Brasil e no mundo. Graças à articulação da cooperativa, o pinhão foi incluído em 2008 na Arca do Gosto, lista de alimentos ameaçados de extinção elaborada pela fundação italiana Slow Food, precursora da chamada ecogastronomia.

No mesmo ano foi criada a Fortaleza do Pinhão, que recebe apoio financeiro de instituições europeias. “Desde então, muitos exportadores e importadores passaram a nos procurar”, diz Eliane dos Reis, diretora financeira da Ecoserra. Um dos frutos dessa parceria foi a implantação, no município de Urubici, de uma unidade de processamento de pinhão congelado.

Isso ajuda a inserir o produto no mercado, já que o pinhão in natura tem baixa durabilidade. Esse não é um problema para os produtores de Painel, que durante a safra têm à disposição uma fonte rica, permanente e abundante de carboidrato – aliás, necessária para a lida nos pinheirais. O costume é começar o dia com uma paçoca de pinhão, prato de origem tropeira em que o fruto é cozido, moído e misturado com carnes. Pode ser consumida no café da manhã ou mesmo levada para o trabalho de coleta.

Quando não tem paçoca, é comum assar o pinhão à moda indígena, aproveitando os galhos secos da araucária para fazer uma fogueira. À noite, quando o frio chega, o clássico serrano é assar o pinhão na chapa do fogão a lenha. Ou seja, ele não só forra o estômago como ainda aquece a casa.

Fonte: Globo Rural

Redação DV Agora

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